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terça-feira, 21 de outubro de 2014

Recordações da aldeia.

Sentada na soleira da porta da minha avó, olho a casa ao cimo da rua, completamente deserta há alguns anos.
Aquela era a casa onde funcionava uma das tabernas da aldeia e por onde passavam todas as pessoas da aldeia, quase diariamente.
Bem lá do fundo das minhas memórias saem,  em desfile, pessoas que fizeram parte da minha vida,  cujas lembranças guardo num cantinho do meu coração.
Lá vem o ti Custódio. Recordo-o com a sua figura bonacheirona e simpática  de sorriso rasgado no rosto, umas vezes, atrás do balcão pesando mercearias, ou vendendo copos de vinho e aguardente aos seus clientes, outras sentado à mesa a jogar às cartas com os amigos, intervalando para servir uma rodada paga pelos que perdiam. Parece que ainda consigo ouvir o som dos seus fortes punhos batendo na mesa de jogo, fazendo sinal ao seu parceiro, ou as sonoras gargalhadas que soltava quando contava alguma graça.
Por vezes, sentava-se na soleira da  porta dos machos,  conversando com quem passava, contando as suas aventuras nas longas viagens que fazia pelas serras, a caminho de alguma feira ou comprando e vendendo pinhais.
Recordo ainda, ao fim das tardes, vê-lo passar, com os machos à rédea, a caminho da fonte onde levava os animais para lhes saciar a sede.
Era o regedor da aldeia, sendo uma pessoa amada e respeitada por todos.
Atrás vem a mulher, a tia “Maria da Taberna”, prima da minha mãe,  uma pessoa simples, simpática e um doce de senhora, sempre conformada, mesmo até com as agruras que a vida lhe atravessou no caminho. Era uma mulher de trabalho. Para além da fazenda que cultivava, cuidava da casa e sempre que o marido jogava com os amigos ou estava fora em negócios, atendia também os clientes do estabelecimento, sempre com um sorriso para todos.
Finalmente, chega a Isilda, uma grande amiga que nos deixou bem cedo.  Era uma menina meiga  e doce como a mãe, mas  esperta e com jeito para o negócio como o pai.
Raramente a vi a brincar com as outras meninas pois, assim que saiu da escola, começou a ajudar os pais na taberna. Teve que crescer muito cedo. Mesmo em dias de festa, raramente vinha ao Largo da povoação, pois eram os dias em que mais se trabalhava na taberna e, todos os braços eram pouco para servir os clientes habituais e forasteiros.  Mais tarde, foi ela quem ficou com o telefone público a seu cargo.
Muito gostava eu de a ver a atender o telefone:
“Está lá? Fala do 121 de Pomares. Faço já a ligação ao Sobral Gordo, um momentinho só.” Cheia de destreza, ligava uma cavilha, dava à manivela e voltava a falar: “ É do Sobral Gordo? Como está senhora Rita? Atenda uma interurbana de Lisboa”. E ligava nova cavilha.
Na aldeia não havia mais telefones e, quando telefonavam para alguém da terra, era ela que tinha que ir dar os recados aos destinatários,  estivesse sol ou chuva.
Como estava  presa o dia inteiro ,  era com ela que eu passava muito do tempo quando, em adolescente , passava as férias de Verão na aldeia. Éramos amigas e confidentes.
Após o casamento, cada uma seguiu destinos diferentes e raramente as nossas férias coincidiam. No entanto, quando nos encontrávamos, era o reviver de memórias e a partilha dos acontecimentos das nossas vidas, tal como acontecera no passado. Apesar de distantes, a amizade manteve-se.
Deus levou-a muito cedo mas, estou certa que um dia, nos voltaremos a encontrar e a nossa amizade continuará.

 


Obrigada pela sua visita. Volte sempre.

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