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terça-feira, 17 de julho de 2012

" De Verão ", Segundo Cesário

DE VERÃO

I
No campo; eu acho nele a musa que me anima:
A claridade, a robustez, a acção.
Esta manhã, saí com minha prima,
Em quem eu noto a mais sincera estima
E a mais completa e séria educação.

II
Criança encantadora! Eu mal esboço o quadro
Da lírica excursão, de intimidade.
Não pinto a velha ermida com seu adro;
Sei só desenho de compasso e esquadro,
Respiro indústria, paz, salubridade.

III
Andam cantando aos bois; vamos cortando as leiras;
E tu dizias: «Fumas? E as fagulhas?
Apaga o teu cachimbo junto às eiras;
Colhe-me uns brincos rubros nas ginjeiras!
Quanto me alegra a calma das debulhas!

IV
E perguntavas sobre os últimos inventos
Agrícolas. Que aldeias tão lavadas!
Bons ares! Boa luz! Bons alimentos!
Olha: Os saloios vivos, corpulentos,
Como nos fazem grandes barretadas!

V
Voltemos! No ribeiro abundam as ramagens
Dos olivais escuros. Onde irás?
Regressam os rebanhos das pastagens;
Ondeiam milhos, nuvens e miragens,
E, silencioso, eu fico para trás.

VI
Numa colina brilha um lugar caiado.
Belo! E, arrimada ao cabo da sombrinha,
Com teu chapéu de palha, desabado,
Tu continuas na azinhaga; ao lado,
Verdeja, vicejante, a nossa vinha.

VII
Nisto, parando, como alguém que se analisa,
Sem desprender do chão teus olhos castos,
Tu começaste, harmónica, indecisa,
A arregaçar a chita, alegre e lisa,
Da tua cauda um poucochinho a rastos.

VIII
Espreitam-te, por cima, as frestas dos celeiros;
O sol abrasa as terras já ceifadas,
E alvejam-te, na sombra dos pinheiros,
Sobre os teus pés decentes, verdadeiros,
As saias curtas, frescas, engomadas.

IX
E, como quem saltasse, extravagantemente,
Um rego de água, sem se enxovalhar,
Tu, a austera, a gentil, a inteligente,
Depois de bem composta, deste à frente
Uma pernada cómica, vulgar!

X
Exótica! E cheguei-me ao pé de ti. Que vejo!
No atalho enxuto, e branco das espigas,
Caídas das carradas no salmejo.
Esguio e a negrejar em um cortejo,
Destaca-se um carreiro de formigas.

XI
Elas, em sociedade, espertas, diligentes.
Na natureza trémula de sede,
Arrastam bichos, uvas e sementes
E atulham, por instinto, previdentes,
Seus antros quase ocultos na parede.

XII
E eu desatei a rir como qualquer macaco!
«Tu não as esmagares contra o solo!»
E ria-me, eu ocioso, inútil, fraco,
Eu de jasmim na casa do casaco
E de óculo deitado a tiracolo!

(...)
Cesário Verde

Pomares


Obrigada pela sua visita. Volte sempre.

2 comentários:

Artes e escritas disse...

Poema e foto encantadores, amei te ler. Um abraço, Yayá.

Idanhense sonhadora disse...

Olá Lourdes , belo poema de Ces+ario a quem chamam o poeta de Lisboa mas que mostra como também conhecia o campo...
Bj.