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quarta-feira, 25 de julho de 2012

A Poesia de Joaqim Pessoa




Nasci no campo, onde se cruzavam os cheiros de flor

Do limoeiro

Com o de hortelã e o do estrume. Brinquei
Por entre o milho, queimei em fogueiras o rosmaninho,
Persegui lagartixas, cobras e ouriços, capturei e destruí
Escaravelhos,
Defendi as carochas, roubei ninhos com ovos e pássaros
Implumes,
Colhi cachos ainda verdes, desesperei pelo amadurecimento
Dos figos, das romãs e dos alperces,
Tingi-me com amoras, fui irmão das abelhas, discuti com o
Vento
E mais do que a erva e as árvores aproveitei-me da chuva.
Agora moro num quarto andar e tenho um automóvel tão
Sólido como a minha infelicidade,
Viajo às vezes entre as árvores, e colinas com árvores e
Planícies com árvores
Mas está tudo longe, fora do alcance, fugindo de mim
Rapidamente, em sentido contrário,
Com a mesma rapidez com que a infância me fugiu.
Sou hoje um cidadão da pedra e do betão. Os meus pés não
Pisam já o alecrim,
Os meus olhos não se habituam já ao escuro da noite para
Observar o voo dos morcegos,
Guardo uma ideia vaga de como era um arado, tenho
Saudades
De ver o meu pai descalço a regar morangos e abóboras.
O piar dos tentilhões e dos picanços foi substituído pelo
Ruído do tráfego,
O desajeitado voar das borboletas parece-me às vezes vê-lo
Nos papéis
Que o vento levanta do chão, levando-os daqui para acolá,
E a minha vida é vivida de forma a comemorar o dia disto
E o dia daquilo
Sem comemorar nunca o dia em que começa a primavera.
Bom dia!, diz-me o cliente. Bom dia!, diz-me o fornecedor.
Bom dia!, digo eu, sem dizer nada.
Joaquim Pessoa
in Vou-me Embora de Mim,
 
Obrigada pela sua visita. Volte sempre.

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