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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Estórias da Serra: O Tonito



Tonito era o mais novo dos irmãos que já tinham partido para Lisboa,  em busca de melhor sorte. Ele  era agora a  única ajuda da mãe nos trabalhos do campo. 
A mãe já o chamara havia algum tempo, mas ele  aninhara-se   uns  minutos mais e adormecera. Quando acordou, deu um salto da cama e correu para a cozinha onde, meio estremunhado, engoliu uma uma malga de café com broa.  
Saiu para a rua.  Ainda era de alpardo. Correu para a loja, pôs a saca pela cabeça,  a corda e o podão ao ombro e saiu apressado. Já não ia conseguir apanhar a mãe que seguia célere vereda acima e, àquela hora, já deveria estar a chegar à beirada onde iria roçar o mato, que depois carregariam para os currais das cabras e  ovelhas. 
Estava vento suão que, de tão  forte, lhe levava a boina e lhe punha à mostra  os bonitos cabelos ruivos.
Com a pressa, nem olhava para o caminho. Aqui e além  dava uma topada. Um chorrilho de pragas saía-lhe da boca,  devido à dor que sentia, mas lá  prosseguia o seu caminho.
Quando avistou a mãe, notou que ela já tinha várias paveias de mato roçado. Aguardando um valente responso, deu a salvação à  mãe que, olhando  para ele, o saudou com um meigo sorriso condescendente.
Nasceu-lhe uma alma nova e as forças redobraram perante aquele terno olhar. Atirou o podão para o chão, esticou a corda num poiso e rapidamente ugou o seu  molho. A mãe disse-lhe então para ir andando e, que enquanto ela não chegasse, fosse ordenhando as cabras e as ovelhas.
Ele obedeceu prontamente e desceu a ladeira num ápice. Chegando ao curral, espalhou o seu mato e ordenhou os animais para a leiteira como a mãe lhe ordenara. Pôs a tranca no curral e sentou-se numa peneda. A mãe, vergada pelo peso dum enorme molho, vinha a chegar.
Enquanto ela espalhava parte do mato que transportara no outro curral, ele permaneceu ali sentado olhar fixamente  o horizonte, imaginando o que estaria para lá dos montes, que tanto aliciava os seus amigos a partir em busca doutro modo de vida.
Um dia, chegaria  a sua vez de descobrir o Mundo...



Obrigada pela sua visita. Volte sempre.

4 comentários:

alfacinha disse...

Narrativa engraçada, esboçou uma imagem viva da vida da provincia. Não entendei bem, o verbo 'hugar" e mesmo não encontrei no dicionário. Talvez seja uma expressão local. Cumprimentos de Antuérpia

Mariazita disse...

Gostei muito desta história que retrata a vida do campo, e os termos usados, alguns desconhecidos para mim :) (e para que serve o dicionário???) tornam-na mais autêntica.
Também não encontrei «hugar».
Terá sido algum lapso (acontece a qualquer pessoa) ou fará parte do léxico da serra do Açor?
Eu interpretei como "apertou" o seu molho...

Continuação de boa semana. Beijinhos

João Celorico disse...

Pois é, amiga!
Quantos "Tonitos" olharam para lá daqueles montes e viram o Mundo!
Pena que alguns deles, e não poucos, chegariam à conclusão de que o seu mundo era aquele e nunca de lá deviam ter saído. A vida se não lhes era boa mãe, pior lhes foi como madrasta.

Abraço,
João Celorico

Lourdes disse...

Já fiz a correcção. A palavra correcta é "ugar" e significa mesmo "apertar" o molho.
Beijinhos
Lourdes