Chegámos a casa. A avó rodou a chave que estava na porta desde que saíramos de manhã cedo e entrámos.
A tia tirou o cântaro da cantareira e seguiu logo para a fonte. O avô foi arrumar as cestas, cestos, sacas, cordas e podões na loja, onde ficariam até ao dia seguinte. Agarrou num molho de cavacas e torgas que colocou no canto da lenha donde a avó já tinha tirado alguns gravetos e chamiças e se encontrava em frente à lareira num banco baixinho, abanando a abada do avental, tentando atear uma brasa que ainda resistia desde o jantar. Sentada no sobrado da cozinha funda, eu observava a pequena chama que começava a libertar-se da brasa e incendiava as chamiças que a avó lhe encostava. O fumo começava o seu percurso a caminho das frestas das lajes que cobriam a casa e ganhava diversas formas atravessando o fumeiro e o caniço vazios e prontos a receber os respectivos produtos.
Na copeira, a ténue luz do candeeiro passava já despercebida perante o enorme clarão que entretanto se formara na fogueira fizendo com que as batatas já fervessem na panela de ferro.
Pendurado no caldeirão, suspenso num barrote que segurava as lajes, o caldeiro aguardava os bocados de botelha que a avó se preparava para cortar e onde juntaria mais tarde os troços dos nabos e os restos da refeição, que serviriam de alimento ao bácoro que comprara há tempos na feira de Avô.
O cheirinho das sardinhas assadas que começava a libertar-se despertava-me os sentidos e a água crescia-me na boca, agora com grande intensidade.
Puxei a tripeça para a junto de nós, coloquei-lhe a broa e os garfos de ferro em cima. A avó escoou as batatas e os nabos e despejou-os numa bacia que colocou no centro da tripeça. A tia colocou as sardinhas já assadas sobre as batatas que ficaram regadas com o molho que elas largavam. O avô chegava da loja onde fora encher um pequeno garrafão com vinho saído directamente do pipo e a almotolia com o azeite que tinha na pia de granito. Sentou-se num “mocho” num dos locais vagos ao lado da tripeça e iniciámos a refeição.
Numa das mãos, uma sardinha sobre um pedaço de broa, na outra o garfo que procurava na mesma bacia, as batatas e os nabos que acompanhavam o conduto daquela ceia, faziam as minhas delícias. Assim, ninguém se apercebia se eu comia muito ou pouco. Mesmo assim, muitas vezes lá ouvia a tia ou a avó: “ Não brinques menina, ainda não comeste nada de jeito. Quando os teus pais chegarem vão pensar que te deixámos passar fome.”
Obrigada pela sua visita. Volte sempre.
5 comentários:
Meu Deus, Lourdes, que delícia de vida!! O cheiro das sardinhas assadas chegaram até aqui... Quase roubei um nacozinho da broa e um golinho do vinho...
Beijos
O açor já tem quatro anos e ainda está bem vivo, um blog cativante, instrutivo e lindo. Simplesmente fantástico. Parabéns
Minha amiga como sabe bem reviver doces momentos do passado. Também gosto imenso de recordar os meus tempos de menina quando ía de férias para casa dos meus avôs no Alentejo, era simplesmente uma maravilha. Hoje venho também para agradecer o seu carinho ao ter comemorado comigo o aniversário da minha mãezinha, deixando a sua preciosa mensagem.
“Se planta uma semente de amizade, recolherá um ramo de felicidade (Lois L. Kaufman)”
Beijinhos
Maria
QUE SAUDADES QD VEJO ESTAS IMAGENS,FAZ-ME LEMBRAR DO MEU SAUDOSO AVOZINHO Q JA PARTIU A 19 ANOS.LINDOOOOOOOO.BJOKAS
Que relato fantástico! Por momentos, senti-me em casa dos meus avós: os costumes, o jeito de falar, aquelas baciadas de comida!
Que saudade!
Que apetite!
(J. Pinto)
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