No início do ano é vulgar nas nossas conversas cá de casa, fazerem-se rectrospectivas e programarem-se algumas coisas para o novo ano. Como 2011 se adivinha incerto, as conversas seguiram rumo ao passado. É normal. Em casa ficaram só os mais entradotes porque os mais novos tinham ido passar o ano fora e, a partir de uma certa idade temos uma memória mais passada do que presente. A conversa levou-nos para a rua da minha infância, no bairro da Bica. Lá vivíamos quase como se vivia numa aldeia. Conhecia-se a vida uns dos outros, dava-se a salvação a quem por nós passava e, muitas vezes, viviam-se os problemas dos vizinhos como se de família se tratasse. Logo veio à baila o "Cobecas".
O"Cobecas" era o nome porque era conhecido um dos rapazes do meu bairro. Muito pequeno já se destacava dos outros, mesmo mais velhos, pela sua vivacidade. Considerava-se o campeão da carica e do bilas lá da rua, mas aparecia, vezes sem conta, num grande pranto, para fazer queixinhas à mãe, porque ficara sem os berlindes e sem o abafador.
Os pais viam-se frequentemente em apuros pois ele nunca virava a cara a uma briga e, nem mesmo o tamanho dos rivais lhe metia medo. Claro que o resultado era voltar para casa a chorar, todo rasgado e, às vezes ferido. Tinha também o hábito de andar na pendura no elevador da Bica ou mesmo nos carros eléctricos. O elevador fazia um percurso pequeno, mas o 28, o eléctrico que passava no Calhariz, fazia um percurso muito grande. Por vezes, não se apercebia do passar das horas e só regressava pela noite dentro, tendo a mãe aflita, posto o bairro em alvoroço, à procura dele.
(Imagem da revista Ilustração Portuguesa)
Muitas vezes, ouvia a voz da vizinha, logo seguida pelas dos diferentes vizinhos, gritar bem alto com voz desesperada:
- Ó Cobeeeecas!!!
Eu já sabia. Ia haver tareia e castigo pela certa. Da tareia ainda se livrava se aparecesse a sangrar por ter caído do eléctrico ou do elevador. Aí a mãe já não tinha coragem de lhe bater, mas uma semana de castigo em casa, ninguém lhe tirava.
Era assim aquele rapaz, sobejamente conhecido por todos os habitantes do bairro, quase sempre pelas piores razões.
Era assim aquele rapaz, sobejamente conhecido por todos os habitantes do bairro, quase sempre pelas piores razões.
Obrigada pela sua visita. Volte sempre.
1 comentário:
Acho a sua verbosidade tão instrutiva, sempre encontro palavras novas que tenho de me absorver no dicionário. Felizmente que o existe, este livro tem um valor inestimável assim tão precioso como o seu relato maravilhoso da sua juventude. Cumprimentos de Antuérpia
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