Percorro os caminhos da minha memória. Sinto o sabor a vinho doce e o cheiro a mosto na adega do meu avô. Ele, de calças arregaçadas, pisa uvas numa celha, enquanto o tio lava os pés num pequeno alguidar de zinco. Na dorna os cachos esperam por ele para serem pisados.
Eu e a tia chegamos da Ribeira Mourísia, carregadas com uvas. Ela poisa a cesta em cima da salgadeira e ajuda-me a poisar a minha balaia em cima da pia do azeite. Tiro a saca que me protegeu a cabeça e penduro-a. Olhando para mim, a avó acena a cabeça com ar de reprovação, enquanto me diz: " Ai se os teus pais te vissem agora..."
Estava num estado lastimoso. O sumo das uvas mais maduras escorrera pelo meu corpo, desenhando riscos arroxeados nos meus braços; as pernas ardiam devido às urtigas que cresciam à beira do caminho; os dedos dos pés doíam de tantas topadas que dera. No entanto, nada disso me incomodava nem minorava a felicidade que sentia por ter conseguido vencer o duro e longo caminho, que separa a fazenda da casa dos meus avós.
Aos poucos as imagens esbatem-se na minha lembrança. Na boca o sabor a vinho doce dá o lugar ao sabor salgado das lágrimas da minha saudade.
Obrigada pela sua
visita. Volte
sempre.
2 comentários:
Lindo texto, Lourdes. Lembrou-me o filme CAMINHANDO SOB AS NUVENS, em que o ponto alto são as uvas pisadas com alegria, como se fosse um momento quase divino.
Beijos
Um lindíssimo texto com um travo de sabor a saudade. Dá gosto ler!
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