Nasci no campo, onde se cruzavam os
cheiros de flor
Do
limoeiro
Com o de hortelã e o do estrume.
Brinquei
Por entre o milho, queimei em fogueiras
o rosmaninho,
Persegui lagartixas, cobras e ouriços,
capturei e destruí
Escaravelhos,
Defendi as carochas, roubei ninhos com
ovos e pássaros
Implumes,
Colhi cachos ainda verdes, desesperei
pelo amadurecimento
Dos figos, das romãs e dos
alperces,
Tingi-me com amoras, fui irmão das
abelhas, discuti com o
Vento
E mais do que a erva e as árvores
aproveitei-me da chuva.
Agora moro num quarto andar e tenho um
automóvel tão
Sólido como a minha
infelicidade,
Viajo às vezes entre as árvores, e
colinas com árvores e
Planícies com árvores
Mas está tudo longe, fora do alcance,
fugindo de mim
Rapidamente, em sentido
contrário,
Com a mesma rapidez com que a infância
me fugiu.
Sou hoje um cidadão da pedra e do
betão. Os meus pés não
Pisam já o alecrim,
Os meus olhos não se habituam já ao
escuro da noite para
Observar o voo dos morcegos,
Guardo uma ideia vaga de como era um
arado, tenho
Saudades
De ver o meu pai descalço a regar
morangos e abóboras.
O piar dos tentilhões e dos picanços
foi substituído pelo
Ruído do tráfego,
O desajeitado voar das borboletas
parece-me às vezes vê-lo
Nos papéis
Que o vento levanta do chão, levando-os
daqui para acolá,
E a minha vida é vivida de forma a
comemorar o dia disto
E o dia daquilo
Sem comemorar nunca o dia em que começa
a primavera.
Bom dia!, diz-me o cliente. Bom dia!,
diz-me o fornecedor.
Bom dia!, digo eu, sem dizer
nada.
Joaquim Pessoa
in Vou-me Embora de
Mim,
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