Dei um salto na cama.
O som duma descarga de 21
morteiros ecoava no ar e acordou-me em
sobressalto. Era a alvorada que anunciava a festa.
Corri para a cozinha, engoli a malga de café quentinho, comi um coscorel feito na véspera e voltei para
o quarto, onde o vestido novo me aguardava pendurado
nas grades da cama de ferro. Naquele dia deixei que a mãe me penteasse e me fizesse aqueles lindos canudos, sem refilar. Penso até que nem senti os arrepelões que me deixavam impaciente, nos momentos em que me penteavam.
Enquanto isso, ouvi a
banda que chegara ao largo da Barroca. Da varanda, vi os músicos a serem distribuídos
pelos mordomos e pelos outros homens da
povoação, seguindo depois para suas casas, onde iriam saborear a primeira refeição do dia.
Já pronta, segui para a Capela onde se dava início à parte
religiosa da festa fazendo a Recolha dos Andores, que se
encontravam com o respectivo "santo", em casa das mordomas onde tinham sido primorosamente
enfeitados.
As janelas e varandas estavam
enfeitadas com bonitas colchas e na Sacristia
da Capela, as capas e faixas da Cruzada eram distribuídas pela
criançada. O adro estava repleto de pessoas. Muitas delas eram de aldeias vizinhas que
vinham retribuir a presença dos naturais da minha aldeia nas suas festas.
Com as outras crianças assisti à longa Missa Cantada, celebrada por três padres, em latim. Sem perceber
absolutamente nada colaborámos conforme pudémos, mas sempre certinhas para não
deixar ficar mal vistas a Ida e a
Belmira, as nossas catequistas.
Depois veio a
Procissão. Eu adorava aquela parte da festa religiosa. Lembrava-me de ver as raparigas, que se juntavam à porta de
casa da minha avó, a cortarem em quadradinhos muito pequeninos as cartas dos familiares, para deitarem das
janelas de casa sobre os andores e sobre as pessoas que passavam. E eu, gaiata viva e
irrequieta, lá ia muito feliz com a capa da Cruzada que orgulhosamente envergava. Quando os
papelinhos esvoaçavam sobre a minha cabeça, tentava-os apanhar , pensando talvez, conseguir descobrir as mensagens escritas nas
cartas que lhes deram origem.
Algumas senhoras
transportavam fogaças à cabeça. Os tabuleiros iam repletos de iguarias e deles
exalava um cheirinho a coelho, frango ou cabrito assados, que durante a longa Procissão me abriam o apetite para a grande refeição do dia.
No final, as fogaças
foram leiloadas. Algumas foram rematadas
por forasteiros para lhes servir de
refeição e os preparar para a parte pagã
da festa.
Obrigada pela sua vista.
Volte sempre.
Obrigada pela sua vista.
Volte sempre.
6 comentários:
Foram assim os nossos tempos de meninos. Depois crescemos e as coisas foram sendo iguais, nós é que mudámos...
Detesto aqueles foguetes tantos dias e tantas horas...
Bem contado. Com sabores da minha já longínqua infância e juventude. Lá do outro lado, nas bandas da Malcata. Era muito assim, na festa, o mundo em que nasci, cresci e vivi. Que não volta.
Amiga Lourdes com as suas fotografias e texto conseguiu reportar-me até essa altura mágica da sua vida.
Bom domingo
beijinho
Maria
Que lindo !
Pareceu-me uma celebração de Primeira Comunhão.
Na minha, por ser uma das 4 meninas mais altas, fui ajudando a carregar o andor com a santa.
E com sapatos novos, fiz bolhas nos pés !!!
Lembranças...
Beijo
As suas histórias continuam a fascinar-me.
Cumprimentos
Curiosos festejos e tradições que hoje nos parecem tão longínquos!
Ao ver a menina dos canudos, mais me convenço que a minha prima, que "sofria a bom sofrer" com a feitura dos mesmos, também andou na escola em Santa Catarina e até teria uma colega chamada de "Lourdinhas"! Será?
Abraço,
João Celorico
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