O dia amanheceu ensolarado o que me entusiasmou, pois tinha que ir a Lisboa. Como em muitas outras deslocações que faço à minha cidade não levei o automóvel, para evitar as filas de trânsito. Por isso, um sol agradável como o de hoje deu bastante jeito neste outono.
Desta vez, de entre as várias hipóteses que tenho para me deslocar para Lisboa, escolhi o combóio como meio de transporte.
Sentada numa moderna e confortável carruagem da Fertagus, olhando através da vidraça lembrei-me da das viagens de combóio que fazia em pequena, quando ia para a aldeia.
E as recordações dum passado longínquo passaram pela minha cabeça. Então, como que num sonho, voltei a criança.
Já várias vezes referi que todos os anos eu passava a maior parte do Verão no Sobral Magro com os meus avós. Quando o meu pai não se podia ausentar da pastelaria, eu fazia a viagem com o meu tio José Mendes, um tio muito querido de quem gostava muito mas que partiu muito cedo, deixando uma enorme saudade. Ele gostava de fazer a viagem durante a noite, pois apanhávamos o combóio-correio que seguia de Lisboa para o Porto, na estação de Santa Apolónia, por volta da meia noite. Seguíamos na carruagem de Serpins, a última do combóio que, em Coimbra, era separada e ligada a um outro que seguia para a Lousã. Ali apanhávamos a camioneta para a Vide e saíamos em Avô, fazendo o restante percurso de táxi e a pé, chegando à aldeia de manhãzinha.
Lembro-me bem duma das minhas primeiras viagens.
A carruagem era antiga e pouco confortável com bancos de madeira. O meu tio procurava que eu me sentasse junto à janela. Apesar do percurso ser feito durante a noite, ele achava que ali eu me podia distrair mais. A carruagem enchia-se de pessoas e eu olhava para elas carregadas com malas, cestos e garrafões que arrumavam na prateleira sobre os bancos. Alguns homens traziam também violas, concertinas e outros instrumentos, o que me levava a pensar que iam para alguma festa, talvez como as que aconteciam na minha aldeia.
Após um sonoro apito, o combóio partia. Apesar de ser de noite, eu olhava lá para fora. As luzes das povoações por onde passávamos sucediam-se e parecia que fugiam do combóio, alternando com o escuro da noite.
A viagem era longa e, ao fim dum tempo, algumas pessoas começavam a movimentar-se, ao mesmo tempo que um cheiro a comida inundava a carruagem. Puxavam dos cestos e, do seu interior, saiam garrafas e sacas de pano donde tiravam pão, nacos de presunto, chouriço, bacalhau frito e outros alimentos, que comiam com avidez intervalando com alguns golos de vinho que bebiam pela própria garrafa.
Eu observava-os completamente espantada e, enquanto a carruagem balançava, o combóio seguia o seu percurso e eu acabava por ser vencida pelo sono.
Dormia pouco, porque depois de "bem comidos e bem bebidos" havia sempre quem agarrasse nos instrumentos e iniciasse uma tocadeira, que acabaria por animar os passageiros durante o resto da viagem, tirando o sono aos mais sonolentos e cansados.
E era assim, entre comes e bebes, tocadeiras e cantorias que chegávamos já de madrugada à estação da Lousã, onde abandonávamos o combóio para prosseguirmos a nossa viagem de camioneta.
A música que se ouvia hoje, no combóio onde eu seguia confortavelmente sentada era outra, mas nos meus ouvidos ecoava ainda o som das concertinas e violas, que abrilhantavam as doces memórias da minha infância.
Obrigada pela sua visita. Volte sempre.
4 comentários:
Lourdes;
Belas recordações dos combois da nossa infância. Digo nossa, porque também eu andei nesses combois que faziam a ligação Pinhão - Porto e também por lá se passava assim.
Hà uma canção do Roberto Carlos que eu gosto muito e escuto em dias de saudade, que diz;
" O que foi felicidade / mata agora de saudade / Velhos tempos / belos dias... "
bjs, Lourdes.
Olá amada!
Por aqui tem dado um sol bem quente, que da de ciurtir uma prainha.
Mais eu gosto mais do inverno, para curtir uma tv com cobertor.
Adoro!
Abraços,
marli
Olá, Lourdes!
Pois, minha amiga, essas viagens, mesmo nocturnas davam para tudo. Até a iluminação das carruagens ajudava aos menos dorminhocos. Era ténue e não feérica como agora. Também, hoje em dia, não são todos os comboios que têem o conforto desse da Fertagus. E, quanto à segurança, estamos conversados... Sintra e Cascais, que eu saiba, são uma "delícia"...
Lembro-me das minhas viagens à minha terra, nos anos 50 (comboios tipo "farwest") e também da inauguração das carruagens suissas na linha de Sintra. Eram uma beleza, mesmo com assentos de madeira.
Abraço,
João Celorico
As suas memórias de infâncias esboçaram às mil maravilhas uma viagem de comboio. Cumprimentos de Antuérpia
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