(Alexandre Grimod de la Reyniëre)
Há dias comecei a escrever sobre a alimentação na aldeia em tempos passados porque, enquanto preparo as minhas refeições, penso muitas vezes nos sabores de antigamente.
Hoje ao fazer a minha sopa, recordei com saudades a da minha avó. Tinha um sabor que eu nunca consegui esquecer. Não sei se por ser muito mais demorada, se pelos utensílios utilizados, se pelo combustível ou se pelos ingredientes, eu nunca consegui fazer uma sopa com um gostinho como a dela.
Lembro-me bem de chegar à fazenda e vê-la a acender a fogueira. Era um ritual que nunca esqueci. Acendia um fósforo e ateava o lume a umas chamiças* que colocava junto a duas ou três pinhas, encaixadas entre alguns gravetos* e torgas* secas. Colocava junto ao fogo uma panela de ferro com água, feijão e um naco de carne, que ali permanecia até o feijão ficar totalmente cozido. Mais tarde, juntava também algumas batatas. Enquanto acabava a cozedura, ia apanhar algumas folhas de couve. Eu acompanhava-a e, de vez em quando, ela ensinava-me quais as folhas da couveira que eu devia cortar. Depois, passávamos pela levada onde passava a água da rega e aí eram escolhidas e lavadas as folhas. Por vezes, ela brincava comigo assustando-me, quando aparecia alguma lagarta. Outras vezes via-a a bater as folhas numa pedra.
(Imagem da Net)
De novo junto da fogueira, ela enrolava as folhas na mão e migáva-as para dentro dum alguidar de barro e, quando o feijão e as batatas já estavam bem cozidos, enchia uma colher de pau com aquela mistura que esmagava com a ajuda de um garfo. Era um processo que demorava algum tempo, pois não havia passe-vite e, como não havia electricidade ninguém sonhava com varinha mágica.
Depois de tudo esmagado, juntava então as couves migadas, e espertava o fogo para a panela levantar fervura e cozinhar a hortaliça.
Depois era só aguardar a chegada do meu avô para me deliciar com uma malga daquela sopinha forte e gostosa cujo sabor jamais esquecerei.
Nota:
Para os seguidores do blog que não conhecem alguns dos termos línguísticos utilizados na aldeia da minha mãe, durante o século passado, aqui deixo o significado de alguns.
* chamiças- mato seco que servia de acendalha
gravetos - troncos finos das árvores usados para acender a fogueira
torgas - raiz de urze seca, boa para arder
torgas - raiz de urze seca, boa para arder
malga - tigela
Obrigada pela sua visita. Volte sempre.
12 comentários:
Lourdes:
Você conseguiu passar o cheiro, o gosto e a maravilha da sopa que deveria começar a comer com os olhos. Mesmo que eu anote exatamente como se faz, certamente não sairá como aquela, impreganada de carinho de avó.
Bjos
Minha Boa Amiga,
Que graça este seu post onde recorda sua Avó e seus sabores. Quando era criança adorava as sopas que a minha Mãe fazia mas na idade adulta deixei, erradamente, de as comer. Com a idade veio novamente o bom senso e voltei às sopas mas agora da minha
Mulher... Se as sopas de minha Mãe eram boas as da minha Mulher não ficam atrás! Adorei o seu cuidado em esclarecer alguns termos que eu também conheço mas que esta gente jóvem nem faz ideia do seu significado.
Um beijinho muito amigo,
Luís
AI MINHA LINDA,E NAO é QUE IA BEM UMA MALGA DELA.QUASE SE SENTE O CHEIRO,A DELICIA DO AROMA.AI!QUE SAUDADES DESSES MANJARES,QUE TIVE OPORTUNIDADE DE TER SABOREADO EM CASA DO MEU AVÔ.INFELIZMENTE NAO TIVE O PRAZER DE CONHECER AS AVOS.QUE DE BOAS LEMBRANçAS.BJINHO
Olá Lourdes!
Também tive a sorte de comer muitas vezes desta maravilhosa sopa, feita de modo igual pela minha avó.
Que saudades!!!!!
Um beijinho
Teresa Neves
Obrigado pelas explicações de palavras.
Principalmente, gostou da sopa de cerefólio que a minha avó fazia durante as férias
Cumprimentos de Antuérpia
Olá:)
Vinha ver das trutas, afinal temos sopa :)
Todos temos histórias sobre as sopas das mamis, ai!!! Ainda por cima está a chegar a hora da janta :)
Bom apetite e um sorriso
Agora sim, Lourdes !
Obrigada pela tradução das palavras.
Gosto muito de ler esses termos, sejam antigos, sejam portugueses, mas tão diferentes dos nossos.
Estou para escrever as palavras que meus avós e mesmo meus pais usavam - e que não usamos mais ! - para que não se percam.
Não entendi o que ela fazia com a couve: amassava, picava ? A sopa então ficava verdinha ?
Tão simples, com poucos ingredientes, mas certamente com um gosto delicioso de passado !
Beijo
É uma descrição com sabores, imagens e palavras tão intensas que mais parece o filme das nossas vidas.
Aquela sopa, aquelas chamiças, o ritual daquela avó que "espertava" o fogo para a panela levantar fervura...que apetite! Que saudades daquele naco de carne a "botar" fumo dentro dum prato! Era tão bom com broa!
Parabéns pelo texto.
Um beijo.
*
há anos que não
vejo voar um Açor,
,
é só gaivotas
e pardais-telhado,
,
marés voantes, deixo,
,
*
Olá
Como no próximo domingo, dia 9 de Maio, se celebra o Dia das Mães no Brasil, resolvi fazer uma pequena homenagem às minha amigas brasileiras, publicando, no SÁBADO, um post no meu blog OLHAI OS LÍRIOS DO MACUÁ
Lá encontrará um pequenino presente que fiz para todas as minhas amigas.
Espero me dê o prazer de ir buscá-lo e colocar na sua sidebar.
Até lá, obrigada.
Beijinhos
Mariazita
PS - Obrigada por seus votos de melhoras. Felizmente já me sinto bem melhor.
Voltarei para comentar logo que possível.
PS, PS - Tenho fotos lindas tiradas na Fraga da Pena.
Querida amiga simplesmente adorei, aproveito para desejar um excelente fim-de-semana.
“A glória da amizade não é a mão estendida, nem o sorriso carinhoso, nem mesmo a delícia da companhia. É a inspiração espiritual que vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você.” (Ralph Waldo Emerson)
Bjs do tamanho do infinito
Maria
Na nossa serra do Açor em todas as casas se fazia assim a sopa era abito dizer-se que a sopa era a tranca da barriga tambem eu comi muita soupa feita na panela de ferro e ás vezes com muito pouco azeite os recursos eram muito fracos
Gostei muito da forma que descreveu a arte de cozinhar da sua Avó.
Voz do Goulinho
António Assunção
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