Toda a ambição é legítima, salvo as que se erguem sobre as misérias e as crendices da humanidade.
( Joseph Conrad )
Depois de subir e descer algumas das vertentes íngremes da sua serra, conseguiu avistar um casario rodeado por montes de terra escura. Os homens que o acompanhavam disseram-lhe que eram ali as minas da Panasqueira. Finalmente, aquilo por que tanto ansiara estava à sua frente.
Chegado ao local, o conterrâneo que trabalhava há mais tempo na mina conduziu-o ao escritório, onde a primeira impressão não foi muito positiva. Um homem entroncado, cabelo escuro, farto bigode e cara pouco afável recebeu-os e, depois de o mirar da cabeça aos pés, com um ar depreciador, perguntou:
- O que é isto? Trazes para aqui um miúdo? Para quê?
- Ele quer trabalhar para ganhar dinheiro. - Respondeu o conterrâneo.
- Ai sim! Eu trato já dele. Que é que sabes fazer, rapaz?
Muito senhor do seu papel respondeu:
- Saiba vocemecê, que eu sei trabalhar na fazenda, guardar as chibitas e ajudo a minha mãe a cuidar dos meus irmãos. Também vou ao mato e à lenha. Tenho muita força...
- Ó rapaz, vai mas é para a escola! - Disse-lhe o homem com ar reprovador.
- Eu já lá andei. E olhe, só não fiz a quarta classe porque quando fizeram a escola, eu era dos mais velhos e assim que aprendi alguma coisa, mandaram-me embora para entrarem outros.
- Eh lá! Anda aqui fazer umas contas e escrever umas coisas. - Respondeu o homem com cara sisuda.
Rapidamente e com grande convicção, fez as contas, escreveu aquilo que lhe ditaram
e entregou o papel. Viu então aquela cara carrancuda mudar de feição. Enquanto disfarçava um ligeiro sorriso e lhe passava a mão pela cabeça, disse-lhe:
- Estás com sorte miúdo. Há aqui uma vaga para apontador. É muita responsabilidade para a tua idade, mas o pessoal que temos para aí não sabe ler nem escrever...
O conterrâneo apressou-se a ir em seu auxílio, dizendo que ele era um miúdo educado, responsável, muito fino e que, de certeza, não se ia deixar enganar.
Ao sair do escritório nem podia acreditar na sua sorte. De manhã, ia distribuir as ferramentas pelos mineiros e anotar aquilo que cada um levava para, ao fim do dia, as receber de novo.
À noite, deitado num duro divã, sentiu a falta dos carinhos da mãe, mas logo foi vencido pelo sono e sonhou. Sonhou com uma povoação muito grande, com muitas casas e muitas pessoas e todas elas lhe davam o nome de Lisboa...
Este texto faz parte duma história de vida que iniciei aqui e continuei aqui .
5 comentários:
Cronica essa ,de beleza e textura terna e doce,me leva à fantasia daí habitante ,parte fazer!
Telegrama esse,se a voce alegria aguardar,para chegar torço!
bzu mão suas escriba Tulipa Rubra,amada amiga nossa!
Viva La Vida!
Olá Lourdes
Este episódio recupera a história dramática dum Portugal estruturalmente atrasado e politicamente isolado do resto do Mundo, em meados do século XX.
No entanto, ficamos com a percepção duma escola primária de excelência, donde saiu gente verdadeiramente DIPLOMADA para o resto da vida. As pessoas sabiam ler, escrever e contar muito bem, tinham conhecimentos estruturados das ciências naturais, da história e da geografia portuguesa e, também, aprendiam normas de comportamento moral e cívico que tanta falta fazem hoje! Em muitos aspectos, a escola primária de então pede meças ao ensino superior actual!
Esta história reflecte, igualmente, o drama social de muitas crianças arrancadas prematuramente ao aconchego dos pais, para ajudarem a custear as despesas domésticas.
No sonho daquele rapaz, pairava uma Lisboa de encantamento que tantos miúdos demandaram!
Um texto excelente!
Parabéns, Lourdes.
Beijinhos.
Ricardo
Agradeço as suas bonitas palavras.
Também estou à espera do telegrama e parece que ele está quase a chegar.
Viva a Vida!
Lourdes
José
Concordo plenamente com o que escreveu no seu comentário. Esta era uma realidade da nossa região. Foi a realidade vivida pelo meu pai, na sua luta por uma vida melhor e que conheço através dos relatos que me fez ao longo da vida.
Felizmente ele perseguiu, com uma enorme tenacidade, os seus sonhos e conseguiu que a sua maioria se tarnassem realidade.
Obrigada José
Beijinhos
Oi, Lourdes:
Reconheci no seu texto histórias ouvidas do meu pai e de outros da antiga. As crianças trabalhavam sim, para ajudar em casa. Meu pai começou com 11 anos, quando chegou ao Brasil, ajudando o pai. E só estudou até a 3ª série, na sua aldeia, sabendo entretanto, muito mais do que muitos universitários dos dias de hoje.
Também concordo com o José, quanto à educação antiga.
Gostei muito de ler essa história !
Beijo
Enviar um comentário